Professor Bruno Adriano (DEF/UFLA)
Para analisar as especificidades e concepções da educação física escolar na educação infantil tomamos como referência: 1) a concepção de ensino em cursos de licenciatura em Educação Física pronunciada por Almeida (2005), “omnilateral”, “contra-hegemônica”; 2) a legislação referente a educação infantil; 3) e uma metodologia do ensino crítica da Educação Física, a abordagem “critico-emancipatória” (2004). Acreditamos que a relação entre esses três tópicos pode contribuir para a intervenção crítica do professor de educação física que atua na educação infantil.
Almeida (2005) afirma que a desigualdade e a injustiça social são marcas indeléveis da nossa sociedade. Para esse autor, o curso de licenciatura em Educação Física, portanto, deve interferir nessa realidade formando professores críticos e conscientes dessa realidade. Nesse sentido, ao apresentar como um dos seus “princípios gerais” a “formação omnilateral (totalidade)”, tal autor expressa uma concepção educacional que vincula à instrução os meios, procedimentos de ensino, que possam garantir uma formação completa dos indivíduos. O que está em jogo, utilizando Mezáros (2008, p. 65) como referência, é a soberania do “papel da educação (…) tanto para a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas de reprodução, como para a automudança consciente dos indivíduos chamados a concretizar a criação de uma ordem social metabólica radicalmente diferente”. Isso significa que a razão de ser dos curso de licenciatura em Educação Física deve ser “(…) formar professores que entendam que a Educação Física é parte da formação geral, que a Educação Física deve ser pensada na sua relação com a conjuntura de cada momento histórico e que a Educação Física esta inserida no contexto da educação brasileira” (ALMEIDA, 2005).
No âmbito da Lei geral da educação, Lei 9394/1996 (LDB), a educação infantil é caracterizada como a primeira etapa da educação básica e tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Tal finalidade, quando associada ao artigo 26, § 3o (I, II, III, IV, V e VI) dessa lei, que prevê a obrigatoriedade da Educação Física no currículo da educação básica, pelo menos de um ponto de vista legal, aponta para uma Educação Física integrada a ideia de uma formação ampla do indivíduo. Ela é parte desse processo. Ademais, a educação infantil será oferecida em creches ou entidades equivalentes para crianças de até três anos de idade e pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade.
Inferimos, então, que a Educação Física tem um papel importante na Educação Infantil, visto que ela pode proporcionar às crianças uma diversidade de experiências, por meio de situações criativas na vivência das práticas corporais. Além disso, a Educação Física nesta etapa é um espaço para que as crianças descubram os próprios limites, enfrentem desafios, conheçam e valorizem o próprio corpo, relacionem-se com outras pessoas, percebam a origem do movimento, expressem sentimentos, utilizando a linguagem corporal, localizem-se no espaço, entre outras situações voltadas ao desenvolvimento de suas capacidades intelectuais e afetivas, numa atuação consciente e crítica.
Postas estas especificidades da educação infantil, como pode contribuir a abordagem crítico-emancipatória da Educação Física?
Tal metodologia parte da ideia de “movimentar-se”, isto é, parte da ideia de que a Educação Física deve proporcionar às crianças, na educação infantil, o maior número de experiências de movimento possível, onde elas possam adquirir formas de “movimentar-se” livremente, desenvolvendo sua própria relação com a cultura do movimento, experimentando os diferentes sentidos e significados do movimento, para, a partir de suas vivências, incorporá-las a seu mundo de vida: Explorar (significado exploratório); Configurar (significado produtivo); Entender-se (significado comunicativo); Comparar-se (significado comparativo, experienciar-se a si mesmo); Expressar- se (significado expressivo) e; 6. Esforçar-se (significado adaptativo). (BASEI, 2008).
Parto do entendimento de que as aulas de Educação Física na Educação Infantil devem ser direcionadas, por meio da a experiência corporal – onde através do expressar-se e do esforçar-se existe um confronto direto com o próprio corpo em movimento –, a experiência material – onde através do explorar e configurar por meio do movimento torna-se possível a experimentação do meio/objetos –, e a experiência de interação social – onde se busca o entender-se e comparar-se no sentido de saber relacionar-se com os outros em situações de movimento (BASEI, 2008).
Nesse sentido é possível sistematizarmos uma “experiência corporal” na educação infantil que contenha: a experiência do corpo, subjetiva, que, por meio do movimento, conhece, sente, relaciona as suas condições, que antes eram naturais (respirar, contrair, relaxar, andar, saltar, etc.), tornando-as conscientes; a Experiência com o corpo em relação com o mundo, reelaborando conceitos que este formulará a partir de sua experiência individual e particular; Experiência do Corpo no espelho do outro, isto é, um diálogo com o outro que provoca comparações, avaliações, interpretações e reflexões sobre os corpos; Apresentação do corpo e a Interpretação da linguagem corporal do outro, por meio da linguagem corporal (comunicação) (BASEI, 2008).
Tal experiência abre caminho para “experiências materiais” outras com o tempo, o espaço e os materiais do “movimentar-se” nas aulas de Educação Física. Sob a perspectiva da emancipação dos sujeitos, a organização didática da aula de Educação Física, tem de observar algumas particularidades: a abertura aos alunos para a descoberta das relações materiais, experimentando as facilidades e as dificuldades deste diálogo, a liberdade para o aluno modificar, transformar e ressignificar as suas ações a partir do seu diálogo com o material com que está interagindo. Para isso, os materiais têm que ser transformáveis, permitindo numerosas ações de descoberta, de exploração e de utilização sem exigir o mínimo de instrução para a sua utilização. O professor, nesse caso, é um mediador para construção dessas experiências (BASEI, 2008).
Estas experiências estão obviamente localizadas em um contexto social onde ocorrem as interações entre os sujeitos e o mundo. A “experiência em interação social”, por fim, trata de organizar as ações educativas no sentido de possibilitar uma interação onde os sujeitos possam agir no mundo e com o mundo de forma emancipada, por meio de uma competência do agir comunicativo que pode levar ao indivíduo a outras competências, tais como as cooperativas em torno da interação (BASEI, 2008).
Referências:
Almeida, L. T. Proposta de Ante-projeto da Comissão Para Criação de Uma Escola de Educação Física na Uff. In Anais do IX EnFEFE, Niteroi, 2005.
BASEI, A. P. A Educação Física na Educação Infantil: a importância do movimentar-se e suas contribuições no desenvolvimento da criança. Revista Iberoamericana de Educación Número 47/3 de 25 de outubro de 2008.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional. Brasília, DF, 1996.
MESZÁROS, I. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004.